Construindo sonhos críticos
Estamos vivendo uma travessia, uma fase de mudanças onde experimentamos, ao sabor de práticas coladas e descoladas da modernidade capitalista, formas que embrionariamente demonstram construir futuros alternativos, possíveis. Pelo olhar crítico podemos traçar um acervo de práticas emancipatórias, as quais transformam-se num mapa que orienta um conjunto de trilhas mais seguras. A cada dia, e essa é uma sensação generalizada, mais nítido fica que chegamos a um estágio onde podemos identificar e entender os excessos e os deficits da modernidade. Esses elementos presentes em nosso cotidiano, impregnados pela lógica objetiva e subjetiva do capitalismo, é que nos deixam mais pobres de bolso e de espírito. Nossas experiências carecem de um melhor entendimento, pois se situam envoltas pela nebulosidade que carregam, assim, não conseguimos melhor clareza e nitidez em suas causas, efeitos e consequências. Essa é a marca de uma condição humana que define nosso traçado nos tempos líquidos, em que são mais visíveis pelos riscos e as incertezas que pelas possibilidades concretas. Em curso há uma lógica que reitera a visão individualista, fragmentada da realidade. Não há lugar para a cooperação, para outrocidade, para o altruísmo num sistema que reforça a individualidade. Essa é uma forma sofisticada de dominação, a qual não teme remover todos os limites éticos, e passa a justificar formas golpistas como um ideal societário, como algo natural. Mais atentos, observamos que muita coisa nos confunde, desvia, distorce a realidade. Com atenção, podemos identificar as características que frustram as expectativas do bem viver e, com maior grau crítico, podem ser colocadas para o debate. Todo esforço dessa reflexão vai de encontro à inquietação necessária que ocorre na sociedade e ela, de maneira embrionária, acaba sendo portadora de elementos que nos ajudam a reinventar a emancipação social com construtos mais apurados. Por isso, importante se faz identificar as brechas e contradições do modelo em curso, para alimentar a crise do paradigma dominante. E aí, não podemos desperdiçar as experiências - pois nelas os novos mundos são criados -, estas geralmente nascem para que as utopias possam ganhar credibilidade e vivacidade junto aos mais diferentes sujeitos em cena. Mas também podemos entender que nada, ou quase nada, do novo parece ser identificável, viável, visível, possível, pois há uma força invisível, dérmica e endérmica que neutraliza a perspectiva de um futuro alternativo. Todavia, mesmo com tantas resistências, incertezas, temos a oportunidade de exercitar o potencial futuro, mesmo que os (des)caminhos tendam a firmar e fixar a mesma história. Como numa viagem, definimos o roteiro, onde parar, quem encontrar, por onde trafegar. Talvez tenhamos pela frente a perspectiva de outra trajetória orientada pelo clarão das estrelas, onde estações que nos aguardam são estações de encontros emancipatórios, grau elevado de cidadania. A utopia diz respeito a um projeto político que tenta fazer aqui e agora o exercício desse novo mundo. Penso como o poeta: "Quem viver saberá que é possível e quem lutar ganhará seu quinhão".
PAULO BASSANI é sociólogo ambiental e professor da Universidade Estadual de Londrina
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