Pressupostos que orientam:
aproveitando a chuva lá fora
*Paulo Bassani
Aproveitei um dia de
estudos, enquanto chovia lá fora, para rever e aprofundar as ideias que
marcaram minha formação sociológica, e tomei como base os estudos de Boaventura
de Sousa Santos - um sociólogo português que analisa com competência o contexto
da América Latina e, sobretudo, de nosso país. Pelos caminhos epistêmicos,
pelas trilhas teóricas, metodológicas, pelas análises políticas, por ele
sugeridas, pude encontrar algumas explicações de nosso tempo, com o rigor
necessário para minimamente entender a complexa teia de relações econômicas,
sociais, políticas e culturais que respiramos, vivenciamos e observamos em
nosso cotidiano. Abaixo, destaco algumas destas ideias datadas numa tentativa
de compreender, decifrar e buscar alternativas sobre as narrativas e
trajetórias em curso.
Um ponto de partida se
refere à noção de democracia. Sim, porque devemos debater a democracia. Ela não
é um produto dado, pronto; pelo contrário, um construto. Um construto que, se
por um lado, apresenta-se como de baixa intensidade, semelhante a que está em
curso, por outro, possui possibilidades, presentes nos movimentos sociais de
caráter popular, urbanos e rurais, que tendem a orientar a construção de uma
democracia de alta intensidade. Que ela seja, além de representativa também,
fundamentalmente participativa. Isto é, partindo de um conhecimento de
regulação, para um conhecimento e prática emancipatória, prudente, equilibrada,
decente e solidária. Estas características se manifestam e amadurecem com o
tempo, há retrocessos e há ganhos, nem sempre visíveis, identificáveis, pois,
no ato de conscientizar, empoderar as populações, estão implícitos o despertar
e ativar destas potencialidades no campo político e no campo econômico.
E aí reside uma das
dificuldades de trazer a compreensão de mundo construída no universo acadêmico
para o mundo cotidiano, bem como agregar, num mesmo mapa, teoria e prática,
como trilha segura e iluminada. Para contribuição, nesta tarefa, deve-se
agregar as contribuições que despertam o posicionamento crítico diante de um
mundo complexo e contraditório, diante de uma narrativa que enfatiza a ordem,
em constante manifestação, para uma narrativa que tenta exercitar as
possibilidades de superação da ordem, com um olhar para o futuro. Um ensaio de
futuro pode revelar a profundidade necessária de uma democracia de alto teor
O proposto é: debater
os desafios para construir um futuro melhor do que o presenciado, do que o
vivido. Assim, faz-se necessário pensar em nossa condição humana, e construir
um pensar para além do pensamento hegemônico.
Há uma tensão
civilizacional em curso, esta tensão é econômica, social, política, ambiental,
ética. Um tensionamento em inúmeras dimensões da vida que, pela perplexidade
que gera, evidencia um fosso crescente na sociedade. Resultado de um modo de
produzir, organizar a vida e o consumo. A tensão ambiental trouxe à tona a
finitude e as limitações humanas e planetárias, bem como explicitou, de maneira
mais evidente, a forma como chegamos este ponto. A ciência que nos levou a este tencionamento
não pode, de maneira alguma, ser a mesma que vai nos levar a outro estagio
civilizacional. Precisamos de uma “nova ciência” que não fragmente, não destrua
e que possa religar saberes de forma ética. Necessitamos, urgentemente, demarcar
alguns elementos indicadores de um “novo paradigma” que possa dar conta da
complexidade deste estado da arte e, que aponte trilhas, mapas na construção de
um mundo melhor.
Nosso sistema de ensino
precisa mudar e ganhar outros significados. Nesta transformação, vincular um
fazer compromissado efetivamente com os desafios de nosso tempo. O processo
econômico, produtivista em curso, é insustentável, porque explora, exclui,
esgota os recursos, gera degradação, e sua continuidade tornará a vida humana
no planeta incerta. E este modelo ameaça arrastar consigo a própria vida no
planeta, comprometer as condições que possibilitam a habitabilidade no planeta.
Buscar estabelecer
novos parâmetros de prudência e equilíbrio na relação homem e natureza,
sociedade e meio ambiente, torna-se uma necessidade premente, urgente. Para
tanto, continuar observando, diagnosticando, analisando para produção de saber,
conhecimento contextualizado e global. Hoje, melhor do que ontem, possuímos
instrumentos teóricos, metodológicos e científicos para efetivar esta
compreensão com uma passada mais segura. Diante de tais pressupostos, é
importante lembrar que a mesma lógica que explora e oprime as pessoas também
explora e subordina a natureza.
Algumas destas ideias
passam por estes recortes de Boaventura de Souza Santos. Ele nos orienta e nos
faz refletir:
“A época que vivemos deve ser
considerada uma época de transição entre o paradigma da ciência moderna e um
novo paradigma, de cuja emergência se vão acumulando os sinais”. (BSS, 1994, p.
34)
“Não podemos jogar fora o que foi construído, escrito e pensado. Porém
urge construirmos modelos explicativos que dêem conta do que está acontecendo.
Modelos que permitam fixar a dinâmica transformada e transformante”. (BSS,
1995, p.63)
“Hoje vivemos um problema
complicado, uma discrepância entre teoria e prática social que é nociva para a
teoria e também para a prática. Para uma teoria cega, a prática social é
invisível, para uma prática cega a teoria é irrelevante”. (BSS, 2007, p.20)
“Não simplesmente de um conhecimento novo que necessitamos; o que
necessitamos é de um novo modo de produção de conhecimento. Não necessitamos de
alternativas, necessitamos é de um pensamento alternativo às alternativas”.
(BSS, 2007, p.28)
“[…] toda a teoria crítica tem sido bastante monocultural, e hoje
estamos cada dia mais conscientes da realidade multicultural de nosso tempo.
Por essa razão, chegamos a conclusão de que provavelmente, a razão que critica
não pode ser a mesma que pensa, constrói e legitima o que é criticável.” (BSS,
2007, p.52)
“Necessitamos de outro tipo de racionalidade, e aí começamos a pensar um
tipo de racionalidade mais ampla, precisamos reinventar a teoria crítica de
acordo com nossas necessidades de hoje.” (BSS, 2007, p.53).
“uma das fraquezas da teoria
crítica moderna foi não ter reconhecido que a razão que critica não pode ser a
mesma que pensa, constrói, legitima aquilo que é criticável” (BSS 2011, pág.
29)
“A teoria, nesta trilha, é consciência cartográfica do caminho que vai
sendo percorrido pelas lutas políticas sociais e culturais que ela influencia
tanto quanto é influenciado por elas” (BSS 2011, p.37)
“substituir relações de poder por relações de autoridade compartilhada.
É um trabalho muito mais amplo do que se pensava até agora” (BSS, 2011, p.165)
*Professor do Departamento de Ciências Sociais da UEL.
27 de outubro de 2017
Muito bom prof. Bassani.
ResponderExcluirParabéns !
ResponderExcluirAproveitei o final de semana para ler. Um conjunto de ideias sobre a democracia que oprof. Bassani apresenta. Interessante.
ResponderExcluirPrecisamos debater a democracia. Este textoparece dar algumas ideias de por ande anda a discussão. Não temos uma democracia plena no Brasil. Precisamos, mais do que nunca, referencias para aprofundar este debate.
ResponderExcluirBoa ideia essade aproveitar a chuva lá fora. Acredito que a chuva seja esta que molha e esta que encobre uma série de problemas no Brasil e no mundo. Boa sacada.
ResponderExcluirBom pensar enquanto chove. grande sacada ! Principalmente para os academicos e os políticos.
ResponderExcluirAhhhhhhhhhh.
ResponderExcluirbom demais. parabéns!!
ResponderExcluirBoa reflexão acerca da democracia e a emancipação.
ResponderExcluirBoaventura de Souza Santos um grande pensador. Suas reflexões nos a judam a nos entender melhor, o que somos o que queremos. Bassani ao retomar as ideias desse pensador o faz de maneira intelignete pois, percebe o qunto é importante, para o Brasil de hj ter, cosntruir boas leituras e reflexões.
ResponderExcluirVamos traze-lo prof Bassani para uma fala em nossa universidade aqui em Blumenau.
ResponderExcluirbommmmmmmmmmm.
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