27 de outubro de 2017

Pressupostos que orientam:
aproveitando a chuva lá fora

                                                                                                *Paulo Bassani

            Aproveitei um dia de estudos, enquanto chovia lá fora, para rever e aprofundar as ideias que marcaram minha formação sociológica, e tomei como base os estudos de Boaventura de Sousa Santos - um sociólogo português que analisa com competência o contexto da América Latina e, sobretudo, de nosso país. Pelos caminhos epistêmicos, pelas trilhas teóricas, metodológicas, pelas análises políticas, por ele sugeridas, pude encontrar algumas explicações de nosso tempo, com o rigor necessário para minimamente entender a complexa teia de relações econômicas, sociais, políticas e culturais que respiramos, vivenciamos e observamos em nosso cotidiano. Abaixo, destaco algumas destas ideias datadas numa tentativa de compreender, decifrar e buscar alternativas sobre as narrativas e trajetórias em curso.
            Um ponto de partida se refere à noção de democracia. Sim, porque devemos debater a democracia. Ela não é um produto dado, pronto; pelo contrário, um construto. Um construto que, se por um lado, apresenta-se como de baixa intensidade, semelhante a que está em curso, por outro, possui possibilidades, presentes nos movimentos sociais de caráter popular, urbanos e rurais, que tendem a orientar a construção de uma democracia de alta intensidade. Que ela seja, além de representativa também, fundamentalmente participativa. Isto é, partindo de um conhecimento de regulação, para um conhecimento e prática emancipatória, prudente, equilibrada, decente e solidária. Estas características se manifestam e amadurecem com o tempo, há retrocessos e há ganhos, nem sempre visíveis, identificáveis, pois, no ato de conscientizar, empoderar as populações, estão implícitos o despertar e ativar destas potencialidades no campo político e no campo econômico.
            E aí reside uma das dificuldades de trazer a compreensão de mundo construída no universo acadêmico para o mundo cotidiano, bem como agregar, num mesmo mapa, teoria e prática, como trilha segura e iluminada. Para contribuição, nesta tarefa, deve-se agregar as contribuições que despertam o posicionamento crítico diante de um mundo complexo e contraditório, diante de uma narrativa que enfatiza a ordem, em constante manifestação, para uma narrativa que tenta exercitar as possibilidades de superação da ordem, com um olhar para o futuro. Um ensaio de futuro pode revelar a profundidade necessária de uma democracia de alto teor

            O proposto é: debater os desafios para construir um futuro melhor do que o presenciado, do que o vivido. Assim, faz-se necessário pensar em nossa condição humana, e construir um pensar para além do pensamento hegemônico.
            Há uma tensão civilizacional em curso, esta tensão é econômica, social, política, ambiental, ética. Um tensionamento em inúmeras dimensões da vida que, pela perplexidade que gera, evidencia um fosso crescente na sociedade. Resultado de um modo de produzir, organizar a vida e o consumo. A tensão ambiental trouxe à tona a finitude e as limitações humanas e planetárias, bem como explicitou, de maneira mais evidente, a forma como chegamos este ponto.  A ciência que nos levou a este tencionamento não pode, de maneira alguma, ser a mesma que vai nos levar a outro estagio civilizacional. Precisamos de uma “nova ciência” que não fragmente, não destrua e que possa religar saberes de forma ética. Necessitamos, urgentemente, demarcar alguns elementos indicadores de um “novo paradigma” que possa dar conta da complexidade deste estado da arte e, que aponte trilhas, mapas na construção de um mundo melhor.
            Nosso sistema de ensino precisa mudar e ganhar outros significados. Nesta transformação, vincular um fazer compromissado efetivamente com os desafios de nosso tempo. O processo econômico, produtivista em curso, é insustentável, porque explora, exclui, esgota os recursos, gera degradação, e sua continuidade tornará a vida humana no planeta incerta. E este modelo ameaça arrastar consigo a própria vida no planeta, comprometer as condições que possibilitam a habitabilidade no planeta.
            Buscar estabelecer novos parâmetros de prudência e equilíbrio na relação homem e natureza, sociedade e meio ambiente, torna-se uma necessidade premente, urgente. Para tanto, continuar observando, diagnosticando, analisando para produção de saber, conhecimento contextualizado e global. Hoje, melhor do que ontem, possuímos instrumentos teóricos, metodológicos e científicos para efetivar esta compreensão com uma passada mais segura. Diante de tais pressupostos, é importante lembrar que a mesma lógica que explora e oprime as pessoas também explora e subordina a natureza.
            Algumas destas ideias passam por estes recortes de Boaventura de Souza Santos. Ele nos orienta e nos faz refletir:
 “A época que vivemos deve ser considerada uma época de transição entre o paradigma da ciência moderna e um novo paradigma, de cuja emergência se vão acumulando os sinais”. (BSS, 1994, p. 34)
“Não podemos jogar fora o que foi construído, escrito e pensado. Porém urge construirmos modelos explicativos que dêem conta do que está acontecendo. Modelos que permitam fixar a dinâmica transformada e transformante”. (BSS, 1995, p.63)
 “Hoje vivemos um problema complicado, uma discrepância entre teoria e prática social que é nociva para a teoria e também para a prática. Para uma teoria cega, a prática social é invisível, para uma prática cega a teoria é irrelevante”. (BSS, 2007, p.20)
“Não simplesmente de um conhecimento novo que necessitamos; o que necessitamos é de um novo modo de produção de conhecimento. Não necessitamos de alternativas, necessitamos é de um pensamento alternativo às alternativas”. (BSS, 2007, p.28)
“[…] toda a teoria crítica tem sido bastante monocultural, e hoje estamos cada dia mais conscientes da realidade multicultural de nosso tempo. Por essa razão, chegamos a conclusão de que provavelmente, a razão que critica não pode ser a mesma que pensa, constrói e legitima o que é criticável.” (BSS, 2007, p.52)
“Necessitamos de outro tipo de racionalidade, e aí começamos a pensar um tipo de racionalidade mais ampla, precisamos reinventar a teoria crítica de acordo com nossas necessidades de hoje.” (BSS, 2007, p.53).
 “uma das fraquezas da teoria crítica moderna foi não ter reconhecido que a razão que critica não pode ser a mesma que pensa, constrói, legitima aquilo que é criticável” (BSS 2011, pág. 29)
“A teoria, nesta trilha, é consciência cartográfica do caminho que vai sendo percorrido pelas lutas políticas sociais e culturais que ela influencia tanto quanto é influenciado por elas” (BSS 2011, p.37)
“substituir relações de poder por relações de autoridade compartilhada. É um trabalho muito mais amplo do que se pensava até agora” (BSS, 2011, p.165)

*Professor do Departamento de Ciências Sociais da UEL.

27 de outubro de 2017

12 comentários:

  1. Muito bom prof. Bassani.

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  2. Aproveitei o final de semana para ler. Um conjunto de ideias sobre a democracia que oprof. Bassani apresenta. Interessante.

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  3. Precisamos debater a democracia. Este textoparece dar algumas ideias de por ande anda a discussão. Não temos uma democracia plena no Brasil. Precisamos, mais do que nunca, referencias para aprofundar este debate.

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  4. Boa ideia essade aproveitar a chuva lá fora. Acredito que a chuva seja esta que molha e esta que encobre uma série de problemas no Brasil e no mundo. Boa sacada.

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  5. Bom pensar enquanto chove. grande sacada ! Principalmente para os academicos e os políticos.

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  6. Boa reflexão acerca da democracia e a emancipação.

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  7. Boaventura de Souza Santos um grande pensador. Suas reflexões nos a judam a nos entender melhor, o que somos o que queremos. Bassani ao retomar as ideias desse pensador o faz de maneira intelignete pois, percebe o qunto é importante, para o Brasil de hj ter, cosntruir boas leituras e reflexões.

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  8. Vamos traze-lo prof Bassani para uma fala em nossa universidade aqui em Blumenau.

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