UM TEMPO MARCANTE*
Para fazer essas projeções necessitamos pensar e rever se ainda existem
sonhos, ainda existem esperanças, utopias, se os 2020 e 21 da forma com se
apresentaram não apagou, não riscou para sempre essas dimensões. Talvez nosso
olhar sobre estes anos esteja condicionado por uma marca angustiante,
desafiante, desencantadora. Um olhar, com a impressão de que as luzes se
apagaram e a escuridão se instalou.
Nessa dimensão desencantadora o tempo passou e nada mudou, nada mudou!
Mas se mudou o que mudou! Naquilo que quero acreditar ou no que mudou de fato
em nossas externalidades. Como então estabelecemos as relações com nossas
interioridades, com nossas subjetividades, com as objetividades que vivo, e
respiro.
Nesse ambiente de encontros e desencontros, nos encontramos, diante de
um tempo final de pandemia que assolou o mundo todo. Os números negativos são
impressionantes, não param de crescer, são preocupantes. Nossa apreensão de
mundo se encontra delimitada até a chegada da notícia de quem fazia parte deste
mundo, e já não está conosco. Como uma peça de um quebra cabeças que não existe
mais e que não irá compor a mesmas imagens, as mesmas emoções, as mesmas
amizades. Mas o inverno tenebroso parece findar. Agora os desafios estão
postos, de refazer a vida, com novos ensaios, novas imagens com as peças que
temos em mãos e com as condições que restaram em nosso espírito.
Mãos trêmulas, olhares míopes, dúvidas nos cercam, pois a primavera
ainda não chegou. É o que temos no momento, o corpo calejado, juntando os
pedaços, equilibrando a mente em seu componente cerebral, imaginativo e
criativo para estimular dimensões adormecidas. Se nada ficou em nossa
experiência humana nesse único e incalculável experimento que passamos, talvez
porque tenhamos adormecido numa caverna junto à hibernação dos ursos. Se
escondermos a dor que vivemos, nada vivemos, talvez a incerteza vivenciada nos
fortaleça para o amanhã, ou nos acovarda diante do futuro.
Acredito no fortalecimento, mesmo diante da escuridão e das incertezas,
pois quer queiramos, quer não, temos que continuar, prosseguir, experimentar o
nosso melhor, daquilo que sabemos pensar, sabemos fazer, sabemos viver. Talvez
esse pensar, esse fazer, esse viver seja traçado com maior profundidade,
equilíbrio, aberto as novas concepções que estão emergindo.
Talvez, num primeiro momento, não conseguiremos identificar essas novas
concepções, pois delas nada conhecemos nada sabemos. Se soubermos, elas não são
novas, são apenas feições reais encobertas pela película do novo. E estas têm
força de apresentar-se com realidade ilusória que nos envolve, nos atrai, nos
contamina, nos engana. Talvez tarde seja, porém ainda a tempo, de superar esta
falha compreensiva, pela aparência do engodo repetitivo de uma derme
enfeitiçada pela tonalidade do banho de sol que não tomamos.
Nesse ambiente há possibilidades de dimensões esperançosas?
Penso que sim. Porém será laboriosa essa reconstrução, pois velhos
materiais empoeirados estão aí postos como os únicos para a edificação.
Necessitamos definir, no caminhar, estes novos materiais, formatos e dispensar
materiais e formatos antigos para utilizar materiais novos e criar e inovar
outros tantos. Assim podemos, assim caminhamos, sem um destino definido, porém,
com experiências da condição humana que nos conduziu até aqui definidas pela
razão, agora acompanhada pela sensibilidade de um coração que sangra, mas com
uma alma esperançosa e confiante que é marca de nossa espécie.
*Paulo
Bassani é sociólogo e professor universitário
FOLHA
DE LONDRINA - ESPAÇO ABERTO - pág.02
04/09/2021
- Londrina /PR
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